Sarloc corria freneticamente. Com a espada em punho, levantada por cima de sua cabeça já preparando o primeiro golpe, ele gritava. Seu grito era abafado por centenas de outros, que também tentavam extravasar a ansiedade do primeiro contato com o exército inimigo que avançava e que, inevitavelmente, em breve se colidiriam.
O grito já causava dor em seus pulmões. O ar já parecia lhe faltar. Ele não sabia mais há quando tempo não respirava. Talvez desde que começara a correr em direção ao inimigo. Em direção a morte quase certa.
Os olhos estavam esbugalhados, a testa franzida em fúria, e os dentes a mostra na boca escancarada. Os seus passos pareciam mais pesados cada vez que via-se mais perto do inimigo. Ele percebeu que seu mundo estava encolhendo, pois o paredão formado pelas pessoas sanguinárias e ferozes a sua frente, parecia que em breve o esmagaria contra os seus companheiros, que avançavam junto a ele na linha de frente do batalhão.
A cada passo, Sarloc pensava que poderia ter aproveitado melhor a sua vida, mas o tempo que restava para começar a luta não lhe permitiria imaginar o que poderia ter feito de diferente para que isso acontecesse.
A cada centímetro mais próximo da pessoa que já havia escolhido para atacar naquele primeiro impacto, Sarloc aumentava a intensidade do seu grito, tentando deixar claro que se aqueles eram seus últimos segundos de vida, não iria sozinho. Sua gana e fúria levaria no mínimo um inimigo com ele, e quantos outros sua espada pudesse ter a oportunidade de atravessar. Sim, matar era tudo que Sarloc desejava naquele momento. Ser impiedoso, era seu foco.
Um passo, uma batida de coração, e uma rajada de vento que jogou muita poeira em sua face, foi tudo que Sarloc teve que esperar para finalmente chocar-se com o inimigo que mirava seu golpe.
Tencionando seus músculos com toda força que possuía, ele desceu sua espada enquanto soltava um rugido. O adversário também moveu sua arma. Elas tilintaram freneticamente. O braço de Sarloc trepidou com a oscilação do metal da sua espada, mas o peso que ele colocou junto a força de seu golpe fez a diferença. O adversário não agüentou o impacto, a arma dele baixou, e a de Sarloc atingiu em cheio o rosto do inimigo. “Um morto. Já posso morrer sem dívida.”, pensou Sarloc.
Naquele momento, o barulho das armas se abalroando ao redor de Sarloc prorrogava-se, enquanto ele dava mais um passo em direção ao batalhão a sua frente. Outro ataque ele fez, outro inimigo ele matou.
Enquanto incontáveis espadas colidiam ao seu redor, Sarloc encheu-se de coragem e determinação. Deu mais um passo para dentro da linha de frente inimiga, ao mesmo tempo que golpeava o guerreiro que acabara de acertar um de seus companheiros. Três inimigos abatidos. Sarloc achava que estava no lucro.
Em meio aquele cenário conturbado, que se enchia de sangue e gritos de dor, Sarloc continuava a desferir golpes. Acertou muitos. Seus amigos tombavam ao seu lado, e ele continuava intocado pelo metal do adversário, mas não pelo sangue que voava quando ele os acertava.
Quando passou de dez o número de inimigos que matara, Sarloc perdeu a conta. Seus braços doíam e seus olhos ardiam devido o suor e sangue que lhe invadiram os pálpebras, turvando-lhe a visão.
A batalha estava sendo longa. Ele estava ficando muito mais tempo vivo do que imaginara ser capaz em um confronto daquela proporção. Talvez houvesse uma esperança de sair com vida dali no final, porém, antes mesmo de conseguir alimentar esse breve sentimento, percebeu que o exército a que pertencia estava diminuindo de tamanho. Todos os companheiros que conseguia encontrar, ou estavam sendo atacados por dois ou mais adversários, ou estavam caídos. E para sua infelicidade, a quantidade de inimigos parecia crescer.
Eles estavam perdendo aquela batalha, mas Sarloc sabia que precisava continuar lutando. Mesmo sentindo-se sem fôlego e exausto, continuava a derrotar os inimigos que avançavam em sua direção. Forças que nem sabia possuir, vieram à tona, permitindo a Sarloc continuar vivo, rechaçando seus inimigos com bravura e incontestável habilidade de luta corporal.
Cortou a garganta de um, enfiou a espada na barriga de outro. Urrou quando percebeu que apesar de ver-se sozinho, seus inimigos começaram a se afastar, receosos de também serem acertados pelos golpes raivosos e certeiros de sua espada.
O medo podia ser visto nos olhos de seus adversários, que começaram a formar um círculo ao seu redor. Ninguém ousava aproximar-se. Ele ganhou tempo.
Respirava rápido para oxigenar seu cérebro e tentar pensar melhor. Permitiu que seus músculos tensos relaxassem por alguns instantes, pois exigiam um merecido descanso, por mais breve que fosse.
Viu que seus companheiros estavam todos mortos. Derrotados. E ele, cercado. Não havia chances de escapar. Eram dezenas de inimigos, e ele, o último vivo do seu grupo.
Atrás do círculo de inimigos que titubeavam, Sarloc percebeu um homem de mais de dois metros de altura surgir. As pessoas recuaram para ele passar, formando um corredor livre de acesso a Sarloc.
Os inimigos que rodeavam Sarloc começaram a socar o ar e a gritar o nome do homem que se aproximava: “ARCON! ARCON! ARCON!”
Era o líder deles. Ele tinha alguns arranhões, mas nenhum machucado sério. Fitando Sarloc com raiva, o grande guerreiro levantou a mão que não segurava a espada e, apontando o dedo para ele, falou:
- O último vivo... você deve ser o melhor de todos.
Após dizer isso, Arcon levou uma das mãos as costas e desprendeu algo do cinto, jogando-o aos pés de Sarloc.
Era a cabeça do seu líder.
- Você deveria estar no lugar dele para ensinar esse batalhão medíocre a lutar – disse Arcon, com firmeza.
Sarloc nada disse. Olhou para a cabeça de seu líder, e sentiu que o cansaço era expulso de seu corpo pela raiva que sentia. Esse sentimento o induzia a vingar seus companheiros mortos e seu líder, derramando o sangue daquele que lhe dirigira a palavra.
Ele apertou a empunhadura da espada com força e a levantou, apontando o fio da lâmina para Arcon, desafiando-o a lutar.
O líder dos inimigos sorriu levemente e disse:
- Não serei injusto pedindo que todos lhe ataquem ao mesmo tempo, pois somos honrados, diferentes de vocês.
Sarloc ignorou as palavras que acabara de ouvir, e avançou. Correu na direção do grande homem e o golpeou, parecendo um suicida assumido. Arcon se esquivou, e Sarloc avançou mais do que pareceu querer devido o impulso descontrolado, deixando as suas costas desprotegidas.
Arcon esticou seu braço e conduziu sua espada horizontalmente, certo de que atingiria Sarloc na altura da nuca.
O exército de Arcon ficou mudo ao ver Sarloc jogar-se de costas ao chão enquanto dirigia a sua espada verticalmente ao punho de Arcon, que acabara de golpear o vazio.
A estratégia impulsiva de Sarloc fora perfeita. A mão de Arcon e a espada que ela brandia, voaram. O grito de dor e surpresa do líder dos inimigos de Sarloc foi ouvido por todos enquanto ele ajoelhava, desarmado e derrotado.
Sarloc levantou-se rapidamente e encostou a ponta da espada na testa do inimigo, que fechou os olhos, aguardando a morte.
Alguns olhavam atônitos enquanto Sarloc desferia seu último golpe, outros corriam na direção dele, raivosos por verem Arcon, o grande guerreiro, sucumbir. A espada de Sarloc atravessou a cabeça de Arcon.
Realizado por vingar seu mestre, Sarloc relaxou. Sentiu que finalmente o cansaço tomava-o por completo. Impossibilitado de lutar contra os inimigos que se aproximavam afoitos para matá-lo, Sarloc curvou-se e soltou a espada, ainda cravada na cabeça do adversário.
Enquanto via os humanos aproximarem-se para acabar com sua vida, a do último orc vivo daquele campo de batalha, Sarloc gargalhou sarcasticamente de forma ensandecida.
Continuou rindo loucamente, mesmo quando inúmeras espadas atravessaram sua pele verde e grosseira em diversas partes de seu corpo simultaneamente. Entorpecido pelo prazer de ter matado diversos humanos, especialmente a do líder deles, Sarloc não sentiu dor. Ele gargalhava e olhava para os humanos indignados ao seu redor, enquanto o sangue vertia de seu corpo, tirando-lhe a vida lentamente.
O corpo de Sarloc deixou de existir quando fora queimado junto a todos os outros orcs mortos naquele dia. Mas ele não foi esquecido, graças ao seu prolongado gargalhar irônico e encharcado de sangue, que estaria presente no pesadelo de muitos humanos a partir daquele dia, e até o fim das suas vidas.
Fim